quinta-feira, 19 de julho de 2007

“Bonus Frater”
Teatro de Marionetas

Marionetas, títeres, bonifrates, fantoches, bonecros são todas expressões para designar um boneco que ganha vida num pequeno teatrinho de figuras animadas e que contam histórias mais ou menos divertidas e com um fundo moral ou um ensinamento comportamental ou ético! Mas a própria expressão “Bónus Frater” traz-nos, ela própria, algo de bom e bem intencionado! No Latim da Idade Média que ainda corria pela Península, “Bónus Frater” significava Bom Irmão!... Frades itinerantes percorriam aldeias e vilas com os seus bonecos que contavam histórias do Antigo Testamento e da vida de Cristo e de Nossa Senhora visando cativar praticantes da fé e trazer para o interior das celebrações religiosas as gentes simples do povo! E eram bem recebidos estes frades pois traziam, não só a palavra de Deus mas, sobretudo, a história animada, o conselho, o ensinamento!...
Quando surgiam nos povoados era o entusiasmo que percorria as gentes e, pequenos e graúdos, numa euforia que só os espectáculos propiciam, juntavam-se à volta do biombo e bebiam eufóricos toda a cena como se naquele momento apenas existisse a ilusão e o mundo fosse aquela realidade virtual que não solicitava esforço físico, apenas gozo e divertimento!...
Toda a alta e baixa Idade Média foi assim até à chegada da Inquisição! Os Bonecreiros foram arredados do interior e átrios das Igrejas e Conventos e as representações proibidas por veicularem preceitos contrários aos ensinamentos novos do Vaticano!... Os Fantocheiros começam a ser ameaçados e perseguidos e a tradição vai perder-se com prejuízo para aqueles que apenas tinham, como libertação do espírito e elevação da alma, as figuras de luva, arames ou fios que narravam as histórias de que tanto gostavam e que lhes proporcionava alguns momentos de ludicidade e de prazer!...
Portugal perdeu a independência, governaram os Espanhóis e voltaram os bonecos no século XVII a cobro e protecção dos Filipes que deram novo impulso a esta arte de entretenimento!... As marionetas saíram dos Conventos e da alçada da Igreja e os artesãos e artistas populares tomaram conta da sua expressão satisfazendo as necessidades culturais do povo simples! Vieram então as farsas, as comédias, as caricaturas das figuras que tinham ganho fama na História! Vieram, a par das parábolas, algumas fábulas e o Carnaval deu também impulso aos bonecos pois se criavam pantominas hilariantes que faziam rir a raia miúda! E manteve-se assim a divulgação até à itinerância dos fantocheiros em mercados e feiras que percorriam de norte a sul para satisfação da populaça!... E também se tornou hábito a moedinha oferecida após o espectáculo em compensação do prazer usufruído!...
Mas toda a tradição tem os seus picos e a sua degeneração até ao desaparecimento! Os intelectuais viraram-se para artes mais nobres e os artesãos, que copiam sempre os ensinamentos dos mestres, desligaram-se dos bonecos e estes perderam vida ganhando a literatura e o Teatro o lugar que ocupavam os títeres!... Depois veio o cinema e mais tarde a televisão, os computadores e os telemóveis e os bonecos dormiram um sono profundo restando apenas algumas expressões singulares aqui e ali, sobretudo longe das civilizações onde a vida corria ainda ao ritmo medieval!...
Serve então esta introdução para apresentar a Trupe de Bonecreiros “Bónus Frater” que adoptou o nome da corrupção da expressão latina “bónus frater” - bonifrates que designa também as marionetas! Aqui, em Vila Real de Santo António, como no sul de Portugal, nada existia de semelhante e era preciso dar alma e corpo a um projecto antigo que já tivera uma tímida experiência há vinte e cinco anos!... Pediu-se apoio à Autarquia e procurou-se sensibilizar os Vereadores da Cultura e do Ensino para este projecto! Havia vontade e gente! Também existia arte e saber e, em conjunto com a Câmara Municipal demos os primeiros passos na época do Natal! Criaram-se bonecos para as histórias, construíram-se os biombos e acederam-se as luzes! Depois, com as novas técnicas de gravação de som e efeitos em computador tudo fez eco em conjunto na sala do Lusitano para centenas de crianças!... Voltou o mundo mágico das marionetas e as encenações cativaram os pequeninos que esbugalhavam os olhitos e afinavam os ouvidos para as histórias contadas pelo “Bónus Frater” que conversava com eles no proscénio e lhes adiantava as personagens da história!...
Primeiro foram o Capuchinho Vermelho e os Três Porquinhos para os mais pequenos e As andanças e desventuras de D. Gualdino, Rei dos Tartéssios para mais crescidos! Mas não se ficou por aqui a Trupe que queria mais qualidade e quantidade diversificada para os seus meninos! Escreveu-se Os Ratinhos de Dona Chica, A Cigarra e a Formiga e A Formiga rabiga e a Cabra cabrês, encenou-se Gil Vicente e Camões, preparou-se o Sr Marquês de Pombal para entrar também em cena e contar as origens da nossa terra!... Uma panóplia de espectáculos com diferentes encenações abrangendo fantoches de luva, de arames e de fios dando vida a figuras como o Vaqueiro vicentino que em 1502 cumprimentava a Rainha pelo nascimento do prícipe D. João III, a Mofina Mendes que mal dava conta a seu amo Paio Vaz da boiada e das vacas que lhe entregaram, os diabos do Auto da Barca do Inferno que julgavam Fidalgos e Onzeneiros, Judeus, Sapateiros e Alcoviteiras, Frades e Juízes corruptos que conspurcavam a sociedade renascentista!... Mas também se apresentou Camões com o seu encantador episódio lírico de Inês de Castro! Tudo isto em apenas três meses!... Foi obra uma tão grande e diversificada produção para uma Trupe recente mas tão animada de vontade e de espírito empreendedor e criativo!...
E vai a Trupe em frente para chegar a todos e aos mais recônditos lugares do Concelho! A aquisição de uma carrinha para levar a alegria e os bonecos às Escolas mais distantes foi o passo decisivo nesta nova etapa de animação das crianças de todo um Concelho! Já não terão que se deslocar e vai a Trupe “Bónus Frater” ter com eles às Escolas e aos Infantários para que tenham, no seu próprio espaço, a história contada à moda antiga!...
Agora só resta agradecer à Câmara Municipal e pedir-lhes que prossigam o apoio pois o processo está imparável e em franco desenvolvimento! E também muita compreensão e ânimo para que esta nova realidade cultural destinada às gerações em que se aposta por necessidade e mérito, se converta numa experiência bem aceite por todos e protegida pelas entidades a quem os destinatários devem merecer toda a atenção!...

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